quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

E o meu coração é um albergue aberto toda a noite…






O actor brasileiro Alexandre Borges e o pianista português João Vasco de Almeida apresentaram em Berlim o espectáculo «Poema Bar», com textos de Pessoa e Vinicius de Moraes, a convite do projecto Berlinda.org. Cerca de 200 pessoas encheram o átrio da Embaixada do Brasil na capital alemã para ouvir Alexandre Borges declamar poemas como «Acordar da Cidade de Lisboa», de Álvaro de Campos, ou «Operário em Construção», de Vinicius de Moraes. João Vasco de Almeida tocou ainda temas do álbum «Além Fado» assinados por Alain Oulman, Carlos Paredes, Mafalda Arnauth e Mário Laginha

Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras

Acordar da rua do Ouro

Acordar do Rossio, às portas dos cafés,

Acordar

E no meio de tudo a gare, a gare que nunca dorme

Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.

 
Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,

Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo


À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se

Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,

E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo

E (...)




Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne.

Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,

Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode

 acontecer de bom,

 São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,

 Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,

 Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,

 Seja (...)


A mulher que chora baixinho

Entre o ruído da multidão em vivas...

O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,

Cheio de individualidade para quem repara...

O arcanjo isolado, escultura numa catedral,

Syringe fugindo aos braços estendidos de Pã,

Tudo isto tende para o mesmo centro,

Busca encontrar-se e fundir-se

Na minha alma.


Eu adoro todas as coisas

E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.

Tenho pela vida um interesse ávido

Que busca compreendê-la sentindo-a muito.

Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,


Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas.

Para aumentar com isso a minha personalidade.

Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio

E a minha ambição era trazer o universo ao colo

Como uma criança a quem a ama beija.



Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras —

Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo

Do que as que vi ou verei.

Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.

 A vida é uma grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.

 Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.


Dá-me lírios, lírios

E rosas também.

Links:
BERLINDA.ORG/
João Vasco de Almeida (Website)
Além Fado Um Homem na cidade | Gaivota (site e vídeo)

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