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terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Julgamento Precipitado



Se alguém se banha rapidamente, não deverás dizer: «Não se saiu bem.» Melhor será que digas: «Foi rápido de mais.» Se alguém bebe muito vinho, não deverás dizer: «É um erro.» Melhor será que digas: «Bebeu muito vinho.» Antes de teres apurado a razão que levou alguém a proceder daqueles modos, como podes tu saber, em boa verdade, se alguém procedeu bem ou mal? E só deste jeito, ó caro, não correrás o risco de te pronunciar sobre situações falsas tendo-as como situações verdadeiras.
Epicteto, in 'Manual'


It is just as cowardly to judge an absent person as it is wicked to strike a defenseless one. Only the ignorant and narrow-minded gossip, for they speak of persons instead of things.
Lawrence G. Lovasik
 

It is harder to crack a prejudice than an atom.
 Albert Einstein
 

How easy it is to judge rightly after one sees what evil comes from judging wrongly!
 Elizabeth Gaskell
 
Do not judge men by mere appearances; for the light laughter that bubbles on the lip often mantles over the depths of sadness, and the serious look may be the sober veil that covers a divine peace and joy.
 E. H. Chapin
 

I think the hardest thing to overcome is judging yourself and being your own worst critic so to speak.
Nile Rodgers


I look to a day when people will not be judged by the color of their skin, but by the content of their character.”
 Martin Luther King, Jr.
 

Do not judge, and you will never be mistaken.
 Rousseau
 
Judge not, that ye be not judged.
 The Bible
 
It is well, when judging a friend, to remember that he is judging you with the same godlike and superior impartiality.
 Arnold Bennett
 
If you judge people, you have no time to love them.
 Mother Teresa
 

When you judge another, you do not define them, you define yourself.
Wayne Dyer

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Reconciliação dramática entre a doutrina católica e o ardor sexual




HERODÍADES é um dos três Prantos que Giovanni Testor escreveu. A morte de São João Batista e o desejo recalcado de Herodíades, é a obra que os Artistas Unidos divulgam em Lisboa. Trata-se de um ajuste de contas com a tradição de onde vinha, e de que nunca se afastara, o catolicismo. Quer a religião ingénua que a mãe lhe terá transmitido, quer a tumultuosa reflexão que os grandes artistas do barroco (e do barroco lombardo).




Testori, o autor das novelas que deram origem ao Rocco de Visconti, o tradutor de Rimbaud e de São Paulo, foi um dos maiores autores do teatro do século XX, propondo, no final da vida, uma reconciliação dramática entre a doutrina católica e o ardor sexual, o vitupério e a caridade, à procura do lugar “daquele que traz o escândalo”. E, pasmados, escutamos o seu combate com a linguagem, com o corpo, com a nudez da cena, com o espectáculo de feira, com a pobreza. Nas origens e em continuidade de tanta arte que se faz e se fez em Itália, sulfuroso, paradoxal, transpirado, sujo, lírico e ordinário, um teatro obrigatório. [adaptado de Artistas Unidos]



Ver texto A sujidade da palavra publicado no ípsilon AQUI

Giovanni Testori nasceu em 1923, em Novate, nos arrabaldes de Milão, e dizem as wikipédias, «in una família de fervente fede cattolica». E ele também católico, fé sangrando de dúvidas e intransigência, carne, desejo, sexo, tensões e arrependimentos, poeta, cronista, historiador de arte, romancista, dramaturgo, pintor também, foi inventando no teatro, na poesia, uma sua língua espaventosa e reles, esplendorosa, blasfema e ansiosa, língua confessa e dos arrependidos, a tumultuosa, macerada língua daqueles homens sujos, descalços, caídos na terra empoeirada, nus, frementes. (in Assirio e Alvim/blog).

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Cada Virtude Corresponde um Vício

 

Habituo-me a só pensar bem dos meus amigos, a confiar-lhe os meus segredos e o meu dinheiro; não tarda que me traiam. Se me revolto contra uma perfídia sou eu, sempre, a sofrer o castigo. Esforço-me por amar os homens em geral; faço-me cego aos seus erros e deixo, indulgente ao máximo, passar infâmias e calúnias: uma bela manhã acordo cúmplice. Se me afasto de uma sociedade que considero má, bem depressa sou atacado pelos demónios da solidão; e procurando amigos melhores, acho os piores. Mesmo depois de vencer as paixões más e chegar, pela abstinência, a uma certa tranquilidade de espírito, sinto uma auto-satisfação que me eleva acima do próximo; e temos à vista o pecado mortal, a vaidade imediatamente castigada. Como explicar que toda a aprendizagem de virtude dê origem a um novo vício?
August Strindberg, in 'Inferno'



Inferno começa com o regresso de Strindberg a Paris, ao seu quarto no Quartier Latin, dias depois de ter abandonado mulher e filha. É então que começa a odisseia pela busca do sentido mais profundo das coisas. Experiências químicas, escritos dispersos, feridas na pele, esquecimento e isolamento do mundo são algumas das provas a que se submete, talvez com algum objectivo catártico. Inferno não é um livro, não é vivido pelo leitor como um livro, mas sim como uma experiência. A afirmação de Pier Paolo Pasolini no posfácio pode dar uma ideia do impacto que esta obra é capaz de provocar, como se, com ela, tivéssemos acesso ao mais íntimo de um autor genial, complexo e contraditório. Misto de diário, ensaio e ficção, o texto é um mergulho nos subterrâneos de seu tumultuado mundo psíquico, no qual a vontade individual parece estar submetida ao poder de forças inconscientes, que transformam o homem num joguete atormentado. É também o testemunho da mania de perseguição de Strindberg, da sua religiosidade supersticiosa, de sua misoginia e misantropia, uma obra de originalidade quase sem paralelo na literatura moderna.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Não tenhas medo do passado





Não tenhas medo do passado. Se as pessoas te disserem que ele é irrevogável, não acredites nelas. O passado, o presente e o futuro não são mais do que um momento na perspectiva de Deus, a perspectiva na qual deveríamos tentar viver. O tempo e o espaço, a sucessão e a extensão, são meras condições acidentais do pensamento. A imaginação pode transcendê-las, e mais, numa esfera livre de existências ideais. Também as coisas são na sua essência aquilo em que decidimos torná-las. Uma coisa é segundo o modo como olhamos para ela.

 Oscar Wilde, in 'De Profundis'

 Oscar Wilde - De Profundis

Clicar em cada uma das “partes”: Part 1; Part 2; Part 3; Part 4; Part 5; Part 6; Part 7

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A Necessidade da Mentira




A imoralidade da mentira não consiste na violação da sacrossanta verdade. Ao fim e ao cabo, tem direito a invocá-la uma sociedade que induz os seus membros compulsivos a falar com franqueza para, logo a seguir, tanto mais seguramente os poder surpreender. À universal verdade não convém permanecer na verdade particular, que imediatamente transforma na sua contrária. Apesar de tudo, à mentira é inerente algo repugnante cuja consciência submete alguém ao açoite do antigo látego, mas que ao mesmo tempo diz algo acerca do carcereiro. O erro reside na excessiva sinceridade. Quem mente envergonha-se, porque em cada mentira deve experimentar o indigno da organização do mundo, que o obriga a mentir, se ele quiser viver, e ainda lhe canta: "Age sempre com lealdade e rectidão".

Tal vergonha rouba a força às mentiras dos mais subtilmente organizados. Elas confundem; por isso, a mentira só no outro se torna imoralidade como tal. Toma este por estúpido e serve de expressão à irresponsabilidade. Entre os insidiosos práticos de hoje, a mentira já há muito perdeu a sua honrosa função de enganar acerca do real. Ninguém acredita em ninguém, todos sabem a resposta. Mente-se só para dar a entender ao outro que a alguém nada nele importa, que dele não se necessita, que lhe é indiferente o que ele pensa acerca de alguém. A mentira, que foi outrora um meio liberal de comunicação, transformou-se hoje numa das técnicas da insolência, graças à qual cada indivíduo estende à sua volta a frieza, e sob cuja protecção pode prosperar.
Theodore Adorno, in "Minima Moralia"

domingo, 8 de janeiro de 2012

a pintura não alimenta, diz o continuo

O novo livro de conversas com Nadir Afonso vai da situação financeira do pintor à única mulher que o compreende. Aos 91 anos, o pintor flaviense continua a trabalhar numa pintura que “procura atingir a exactidão”, qualidade fundamental da obra artística, segundo o autor, a quem não interessam “a perfeição e a originalidade”, elementos que conota com uma ideia de insensibilidade contrária à arte. Pelas mãos de um jornalista, que já tinha publicado “Itinerário (com)sentido” sobre o pintor, “Nadir Afonso conversa com Agostinho Santos” reúne entrevistas realizadas ao longo dos anos. Mais do que procurar “imitar a natureza”, característica dos “insensíveis”, o objectivo é compreender e ir além do perfeito e do original, algo que “os estetas pretendem do artista”.

Aos 18 anos, havia decidido entrar para as Belas Artes. Escreveu o requerimento e dirigiu-se à escola. “Ali estava um funcionário a dormitar, um contínuo. E eu, claro, com os meus 18 anos, timidamente cheguei ao pé dele: ‘Boa tarde. O senhor diz-me onde é a secretaria para me inscrever em pintura?’ Ele puxa o meu requerimento e lê-o. ‘Então o senhor tem o curso dos liceus e vai-se inscrever em pintura? Ó homem, a pintura não alimenta. Curso dos liceus... O senhor vá para arquitectura’”, recordou. “Mudei de orientação nas Belas Artes, mas, no fundo, no fundo do coração, continuei sempre a pintar, fui sempre pintor.”

sábado, 7 de janeiro de 2012

entre a sabedoria e a estupidez


A certa idade, que varia segundo as pessoas mas que se situa por volta dos quarenta, a vida começa a parecer-nos insípida, lenta, estéril, sem atractivos, repetitiva, como se cada dia não fosse senão o plágio do anterior. Algo em nós se apaga: entusiasmo, energia, capacidade de fazer planos, espírito de aventura ou simplesmente apetite de prazer, de invenção ou de risco. É o momento de fazer uma paragem, reconsiderar a vida sob todos os seus aspectos e tentar tirar partido das suas fraquezas. Momento de suprema eleição, pois trata-se, na realidade, de escolher entre a sabedoria e a estupidez.

Julio Ramón Ribeyro, in Prosas Apátridas

Fumar mata. Não fumar também.


Desconfia dos que não fumam. Esses não têm vida interior, não tem sentimentos.
O cigarro é uma maneira subtil, e disfarçada de suspirar.

Mário Quintana, in


FUMAR MATA

Fumar mata. Com cinco inconclusos cigarros
morrerei decerto doutro motivo.
Cigarros escondidos, obrigatórios, demonstrativos, sexuais,
cigarros ocultos atrás de livros, fumados
na casa de banho que o vento depois não drenava,
cigarros amargos e engasgados na garganta,
comprados, deitados fora,
cigarros infrutíferos como esses anos em tudo o mais,
nem rodapé biográfico mas erupção sociológica.
Fumar mata. De não fumar nada direi.


Pedro Mexia
, in

A Intimidade na Amizade

Ele encontrou alguém com quem pode falar, pensei. E eu também, pensei a seguir. No momento em que um homem começa a falar de sexo a outro, está a dizer alguma coisa acerca de ambos. Noventa por cento das vezes isso não acontece, e talvez seja melhor que não aconteça, mas se não conseguirmos alcançar um certo grau de franqueza no que respeita a sexo e optamos por proceder como se nem sequer pensássemos nisso, então a amizade masculina é incompleta. A maioria dos homens nunca encontra um amigo assim. Não é comum. Mas quando acontece, quando dois homens se descobrem de acordo sobre esta parte essencial de ser um homem, sem medo de serem julgados, aviltados, invejados ou dominados, seguros de que a sua confiança não será traída, a sua relação humana pode tornar-se muito forte e nascer uma intimidade inesperada.

Philip Roth, in "A Mancha Humana"



Sinopse
Coleman Silk tem um segredo. Mas não se trata do segredo do caso que mantém, aos setenta e um anos, com uma mulher com metade da sua idade e um passado brutalmente devastado. Também não é o segredo do alegado racismo de Coleman, pretexto para a caça às bruxas desencadeada pela universidade e que lhe custou o emprego e, na sua opinião, lhe matou a mulher. O segredo de Coleman foi guardado durante cinquenta anos: oculto da sua mulher, dos seus quatro filhos, dos seus colegas e dos seus amigos, incluindo o escritor Nathan Zuckerman que – após a morte suspeita de Coleman, com a amante, num desastre de automóvel – resolve compreender como é que aquele homem eminente e íntegro, apreciado como educador durante quase toda a sua vida, forjou a sua identidade e como essa vida tão cuidadosamente controlada acabou por ser deslindada.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O que o senhor perde com esse periscópio na ponta do sexo, quando podia gozar de um harém de maravilhas várias e jamais repetidas


"Prezado coleccionador:

Detestamo-lo. O sexo perde todo o seu poder, toda a sua magia, quando se torna explícito, abusivo, quando se torna mecanicamente obcecante. Passa a ser enfadonho.

Nunca conheci pessoa que melhor provasse o erro que é não se lhe juntar a emoção, a fome, o desejo, a luxúria, os caprichos, as manias, os laços pessoais, relações mais profundas, que lhe mudam a cor, o perfume, os ritmos, a intensidade.

Nem o senhor sabe o quanto perde com esse seu exame microscópico da actividade sexual e a exclusão dos outros aspectos, que são o combustível que a faz atear. Intelectual, imaginativo, romântico, emocional. Eis o que dá ao sexo as suas surpreendentes texturas, as mudanças subtis, os elementos afrodisíacos. O senhor restringe o seu mundo de sensações. Disseca-o, definha-o, tira-lhe o sangue.

Se o senhor alimentasse a sua vida sexual com todas as aventuras e excitações que o amor instila a sensualidade, seria o homem mais poderoso do mundo. A fonte da potência sexual é a curiosidade, é a paixão. O que o senhor vê é sua débil chama a morrer de asfixia. O sexo não pode medrar na monotonia. Sem invenções, humores, sentimentos, não há surpresa na cama. O sexo deve ter à mistura lágrimas, riso, palavras, promessas, cenas, ciúme, inveja, todos os condimentos do medo, viagens ao estrangeiro, novas caras, romances, historias, sonhos, fantasias, musica, dança, ópio, vinho. O que o senhor perde com esse periscópio na ponta do sexo, quando podia gozar de um harém de maravilhas várias e jamais repetidas! Não há dois cabelos iguais; mas o senhor não quer que desperdicemos palavras a descrever uns cabelos. Não há dois cheiros iguais; porém, se nós nos detemos com isso, o senhor exclama: "Suprimam a poesia." Não há duas peles de igual textura; nunca é a mesma luz, a mesma temperatura, as mesmas sombras, nunca são os mesmos gestos; porque um amante, quando animado do verdadeiro amor, é capaz de vencer séculos e séculos de ciência amorosa. Quantas mudanças de tempo, quantas variações de maturidade e de inocência, de arte e de perversidade...

Discutimos até à exaustão para saber como seria o senhor. Se fechou os sentidos à seda, à luz, à cor, ao cheiro, ao carácter, ao temperamento, deve estar nesta altura totalmente empedernido. Há tantos sentidos menores que se lançam como afluentes no rio do sexo!

Só o bater em uníssono do sexo e do coração pode provocar o êxtase.»

Anaïs Nin, 1941

O Sexus de Miller



(…) E depois lembrei-me de uma coisa que me fez rir. Os homens acham sempre que ter uma grande piça é uma das maiores benesses da vida. Acham que basta agitá-la em frente de uma mulher que ela vem logo a correr. Pois se alguém tinha uma grande piça era o Bill Woodruff. Tinha um verdadeiro caralho de cavalo. Lembro-me da primeira vez que o vi – mal podia acreditar nos meus olhos. A Ida deveria ser a escrava dele, se aquela conversa toda sobre piças grandes fosse verdade. Não há dúvida de que a impressionava, mas da maneira errada. Assustava-a. Gelava-a. E quanto mais ele metia e empurrava, mais pequena ela ficava. Era melhor que a fodesse entre as mamas, ou nos sovacos. Ela teria gostado mais disso, sem dúvida. Mas Woodruff não era pessoa para ter essas ideias. Ia achá-las degradantes. Não se pode pedir à mulher que idolatramos que nos deixe fodê-la no meio das mamas. Como é que ele se satisfazia, nunca perguntei. Mas o ritual de beijar o rabo fazia-me sorrir. Não é fácil ficarmos malucos com uma mulher e depois descobrir que a natureza nos pregou uma partida. (…)

Henry Miller, Sexus



quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Maria Teresa Horta persegue Leonor nos momentos mais íntimos e ainda ganha prémio



O Prémio Literário D. Dinis, instituído pela Fundação da Casa de Mateus, foi atribuído à escritora Maria Teresa Horta pelo romance "As Luzes de Leonor”, obra lançada em 2011 pela D. Quixote. Trata-se de um romance sobre a vida da marquesa de Alorna, Leonor de Almeida Portugal de Lorena e Lencastre (1750-1839), neta dos marqueses de Távora, uma mulher que se destacou na história literária e política de Portugal num período denominado por "século das luzes". Maria Teresa Horta demorou 13 anos a escrever a biografia de Leonor de Lorena, sua avó em quinto grau, autora de uma vasta obra poética, parte dela ainda publicada em vida.

Parabéns Maria Teresa Horta.


Ler crítica ao livro AQUI (in Ípsilon, por Helena Vasconcelos)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012



C’est une merveille, à mon âge, d’ignorer l’avenir.

Marguerite Duras, Des journées entières dans les arbres



Link:

domingo, 1 de janeiro de 2012




Thy friendship oft has made my heart to ache; do be my enemy - for friendship's sake


William Blake, A William Hayley

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Valter Hugo Mãe um homem com queda d’água de mulher por dentro

Os romances «O Remorso de Baltazar Serapião» e «A Máquina de Fazer Espanhóis», do escritor Valter Hugo Mãe, entraram para a lista dos melhores livros do ano pelo jornal brasileiro O Globo. No suplemento de cultura, o jornal recorda que Valter Hugo Mãe desembarcou no Brasil em julho passado como um autor desconhecido e voltou como um escritor consagrado entre os leitores brasileiros. A conquista deu-se durante a Feira Literária de Paraty, onde o escritor português seduziu o público com um discurso emocionado sobre sua relação com o Brasil.







Ler mais AQUI (in Globo)


Aqui fica o texto que valter hugo mãe pediu para ler no final da sua mesa na Festa Literária Internacional de Paraty e que levou o público na Tenda dos Autores às lágrimas.


“Quando eu tinha uns 8 anos, veio morar para a casa ao lado da dos meus pais um casal de brasileiros com duas filhas moças. Ao chegar, o casal ofereceu uma ambulância ao quartel de bombeiros da nossa vila e toda a vila se emocionou. Foram os primeiros brasileiros que eu vi fora da tv, fora das novelas. Eu e os meus amigos fomos ao quartel dos bombeiros apreciar a ambulância nova, bem pintada, que se mostrava a todos como prova bonita da bondade de alguém. O meu pai tinha um carro pequeno, velho, difícil de levar a família inteira dentro. A ambulância era enorme, um luxo, como se fosse para transportar doentes felizes. Eu e os meus amigos ficamos estupefactamente felizes.


Depois, algumas mulheres e alguns homens mais delicados reuniam-se diante da senhora e das moças brasileiras e faziam perguntas sobre as novelas. Naquele tempo, passavam com muito atraso em relação ao Brasil, e todos queriam avidamente saber quem casava com quem na ‘Gabriela’.


A senhora e as suas duas filhas, porque sabiam o que ia acontecer nas novelas, eram aos olhos de todos como adivinhas, gente que via coisas do futuro, gente que viveu o futuro e que se juntou a nós para reviver o passado. Por causa disto, eram mágicas e as pessoas queriam a opinião delas para cada decisão.


A minha mãe pediu à nova vizinha a receita para fazer pizza, porque ainda não havia pizzarias e só víamos nas revistas como deviam ser bonitos e saborosos aqueles círculos de pão e queijo coloridos pousados nas mesas. Passámos a comer uma pizza de atum com muitas azeitonas pretas. Ainda hoje peço nos restaurantes pizza de atum com a esperança de que seja exactamente igual à da minha infância, mas nunca é.


As moças brasileiras eram mais velhas do que eu e ficaram amigas das minhas irmãs. As minhas irmãs saíam com elas à rua inchadas de orgulho, porque as pessoas todas, sempre comovidas com a ambulância, faziam vénia e sorriam. Havia gente que dizia que as moças brasileiras eram as mais belas de todas. Elas eram, na verdade, sorridentes, e eu senti que também seriam muito felizes na nossa pequena vila.


Um dia a minha irmã mais velha fez anos e foi festejá-los com uma festa na garagem das brasileiras. Na noite desse dia, ali pelas oito horas, uma outra menina, filha de um vizinho português, mostrou-me tudo. Não foi a primeira vez, mas eu queria sempre ver, embora ela não quisesse sempre mostrar. Um amigo meu surpreendeu-nos e quis ver também, mas a menina respondeu que não. Ela disse que  mostrava apenas a mim porque eu era amigo das brasileiras. Entendi que as brasileiras eram como um toque de midas que me transformava num menino de ouro.


Aos dezoito anos, aquele que é o meu amigo mais irmão chegou do Brasil e ingressou na minha escola. Eu instintivamente corri atrás dele. Queria ser amigo dele como se fosse vital para mim. Ele mostrou-me Titãs e Legião Urbana. Eu achava que o Renato Russo ia salvar a minha vida com aquela canção do ‘Tempo perdido’. Quando o Renato Russo morreu, chorei muito e passei só a chorar quando ouço o ‘Tempo perdido’. Eu não sei se a arte nos deve salvar, mas tenho a certeza de que pode conduzir ao melhor que há em nós, para que não nos desperdicemos na vida.


O Alexandre, esse meu amigo brasileiro, mudou tudo em mim para melhor. Adorava viajar de comboio com ele quando entalávamos as meias mal cheirosas nas janelas para que arejassem durante a marcha. Nesse tempo, o Alexandre ensinou-me a perder aquela vergonha que só atrapalha. Porque os portugueses sempre foram meio envergonhados.


Hoje, temos quase quarenta anos, ele casou com uma portuguesa e tem filhos. Eu, não. Fiquei para tio a escrever romances e os romances tornaram-se fundamentais na minha vida, como a máquina de fazer espanhóis. Sonhei sempre vir ao Brasil e vim várias vezes, faltava vir como escritor, publicado e recebido, pois aqui estou, a FLIP fez isso, não esquecerei nunca, sinto que fazem de mim um homem de ouro, agradeço a todos muito por isso."
valter hugo mãe, Paraty 2011





Links:
Valter Hugo Mãe (Website)
Casa de Osso (Blog de Valter Hugo Mãe)