sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Cada Virtude Corresponde um Vício

 

Habituo-me a só pensar bem dos meus amigos, a confiar-lhe os meus segredos e o meu dinheiro; não tarda que me traiam. Se me revolto contra uma perfídia sou eu, sempre, a sofrer o castigo. Esforço-me por amar os homens em geral; faço-me cego aos seus erros e deixo, indulgente ao máximo, passar infâmias e calúnias: uma bela manhã acordo cúmplice. Se me afasto de uma sociedade que considero má, bem depressa sou atacado pelos demónios da solidão; e procurando amigos melhores, acho os piores. Mesmo depois de vencer as paixões más e chegar, pela abstinência, a uma certa tranquilidade de espírito, sinto uma auto-satisfação que me eleva acima do próximo; e temos à vista o pecado mortal, a vaidade imediatamente castigada. Como explicar que toda a aprendizagem de virtude dê origem a um novo vício?
August Strindberg, in 'Inferno'



Inferno começa com o regresso de Strindberg a Paris, ao seu quarto no Quartier Latin, dias depois de ter abandonado mulher e filha. É então que começa a odisseia pela busca do sentido mais profundo das coisas. Experiências químicas, escritos dispersos, feridas na pele, esquecimento e isolamento do mundo são algumas das provas a que se submete, talvez com algum objectivo catártico. Inferno não é um livro, não é vivido pelo leitor como um livro, mas sim como uma experiência. A afirmação de Pier Paolo Pasolini no posfácio pode dar uma ideia do impacto que esta obra é capaz de provocar, como se, com ela, tivéssemos acesso ao mais íntimo de um autor genial, complexo e contraditório. Misto de diário, ensaio e ficção, o texto é um mergulho nos subterrâneos de seu tumultuado mundo psíquico, no qual a vontade individual parece estar submetida ao poder de forças inconscientes, que transformam o homem num joguete atormentado. É também o testemunho da mania de perseguição de Strindberg, da sua religiosidade supersticiosa, de sua misoginia e misantropia, uma obra de originalidade quase sem paralelo na literatura moderna.

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